Reforma Psiquiátrica: O que são as Comunidades Terapêuticas e a Antipsiquiatria?


Paulo Amarante
Nesta semana iremos abordar dois tópicos importantes para a Reforma Psiquiátrica que são as comunidades terapêuticas e a antipsiquiatria. Para isto, utilizaremos dois livros do Paulo Amarante que abordam sobre esta temática, sendo eles: "Loucos pela vida: A Trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil" (1998) e "Saúde Mental e Atenção Psicossocial" (2013). O autor, no primeiro capítulo de Loucos pela Vida, retoma alguns antecedentes históricos da reforma utilizando-se, principalmente, do livro História da Loucura na Idade Clássica de Michael Foucault (que já falamos um pouco no post anterior do capítulo quatro “Experiências da Loucura”). 
O autor, Paulo Amarante (1998), pontua que o livro a História da Loucura foi fundamental para compreender o surgimento da psiquiatria e das práticas de intervenções da loucura.  De acordo com Amarante, Foucault em sua obra contextualizou historicamente a constituição da loucura na Idade Clássica e como ela influencia a concepção de loucura na modernidade. A loucura, inicialmente, implicava no encarceramento e na exclusão do indivíduo. Como destacado por Amarante (1998):

Os hospitais gerais e Santas Casas de Misericórdia representam o espaço de recolhimento de toda ordem de marginais: leprosos, prostitutas, ladrões, loucos vagabundos, todos aqueles que simbolizavam ameaça à lei e à ordem social, O enclausuramento  não possui, durante esse período, uma conotação de medicalização, uma natureza patológica. O Olhar sobre a loucura não é, portanto, diferenciador das outras categorias marginais, mas o critério que marca a exclusão destas está referido à figura da desrazão (p. 24-25)


Somente após o século XIX, influenciado pela cultura ocidental, que começa a ter se uma nova visão a de cura por meio de intervenções terapêuticas e medicamentosas marcando, assim, o início das práticas psiquiátricas. Amarante (2013), em Saúde Mental e Atenção Psicossocial, afirma que modelo biomédico da medicina ocidental se centra apenas na naturalidade da doença, afastando o sujeito da experiência da doença.

Philippe Pinel considerado fundador da psiquiatria, afirmava que os loucos deviam ser libertos e receber tratamento asilar. Pinel teve influência do pensamento filosófico em que se buscava base científica para explicação de fenômenos da realidade e, também, influência do pensamento político de Locke, o qual “pressupunha uma natureza absolutamente livre e independente dos homens” (Amarante, 2013, p. 28). Desse modo, o primeiro passo do tratamento terapêutico proposto seria o isolamento do louco do mundo exterior para assim conhecer a alienação (i.e., desordem, estar fora da realidade) em seu estado puro e sem interferências.
O tratamento moral e o isolamento do mundo externo entravam em contradição aos princípios da Revolução Francesa, desse modo, houveram tentativas com intuito de resgatar o papel terapêutico das instituições. Uma das tentativas foram as “colônias de alienados”, em que era proposto a recuperação através do trabalho terapêutico, geralmente realizavam atividades braçais (i.e., trabalho com foice e enxada) em áreas agrícolas. Entretanto, após as duas grandes Guerras olhares voltaram-se para instituições e constou-se que a dignidade humana não era respeitada. E, assim, surgiram movimentos de uma Reforma Psiquiátrica.

Comunidades Terapêuticas:
As Comunidades Terapêuticas tem seus primeiros movimentos na década de 1940, em Birmingham na Inglaterra. Mas somente em 1959 consolidou-se como um termo com Maxwell Jones e passou a fazer parte dos processo das reformas institucionais (Amarante, 1998). A Comunidade Terapêutica compreendia que a gestão do hospital era o grande motivo do fracasso, via como solução a qualificação da psiquiatria através de mudanças na instituição, como alterar sua estrutura hierárquica e vertical.
Nota-se que o processo terapêutico seria democrático e igualitário, ou seja, com atuação de uma equipe multidisciplinar e participação de todos, inclusive de pacientes, nas discussões e decisões sobre o tratamento, havia um maior incentivo a expressão de sentimentos. Como ressalta Amarante (2013) “... na Comunidade Terapêutica, esta experiência do coletivo terapêutico tinha como princípio a premissa de que no hospital todos teriam uma função terapêutica e deveriam fazer parte de uma mesma comunidade…” (p. 44).

Antipsiquiatria:
A Antipsiquiatria, surge na década de 60 na Inglaterra, é um movimento contrário ao modelo científico psiquiátrico não compreendia que a solução seria apenas realizar uma reforma na psiquiatria, mas sim rompimento teórico do modelo tradicional psiquiátrico. O modelo tradicional buscava compreender a loucura a partir de princípios das ciências naturais e a antipsiquiatria voltava-se para a experiência dos indivíduos em suas relações sociais com toda a comunidade. O modelo dos hospitais psiquiátricos reproduzia a estrutura social opressora, assim, apenas uma mudança na gestão desses hospitais não seria uma solução. Segundo o autor, Amarante (2013),  “no âmbito da Antipsiquiatria não existiria, enfim, a doença mental enquanto objeto natural (...), e sim uma determinada experiência do sujeito em sua relação com o ambiente social.” (p. 53).
Ao não considerar doença mental como um conceito, não houve uma proposta exata de tratamento terapêutico, aos indivíduos caberia viver a experiência da loucura, de modo que ao expressá-la haveria uma possibilidade de reorganização interior. E, os terapeutas teriam o dever de auxiliar e acompanhar o processo da experiência da loucura, além disso, proteger os indivíduos da violência psiquiátrica.

Por trás das telas: 
Ao lermos alguns capítulos dos livros de Paulo Amarante foi possível compreender as definições de Comunidades Terapêuticas e Antipsiquiatria  que foram importantes para o movimento da Reforma Psiquiátrica. A leitura foi bem mais fácil e leve, em comparação com o capítulo de Foucault, e o autor conseguiu trazer de forma simples e breve a contextualização histórica do percurso da Reforma Psiquiátrica, como dos movimentos acontecidos  aqui no Brasil (que abordaremos mais para frente).
Caros leitores, se vocês quiserem conhecer um pouquinho do livro Loucos pela Vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil no vídeo abaixo, Ciência & Letras - Loucos pela Vida, o apresentador Renato Farias conversou com Paulo Amarante e com a professora Patrícia Dorneles que é militante do Movimento Antimanicomial. E feliz dia do Psicólogo a todos os profissionais ou futuros profissionais (levemente atrasado rsrs).


Referências:
Amarante, P. (1998). Loucos pela vida: A trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. 2ª ed. Rio De Janeiro: Fiocruz
Amarante, P. (2013). Saúde Mental e atenção psicossocial 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz


Comentários

  1. Meninas gostamos muito do blog de vcs, achamos muito interessante o tema que vocês fizeram essa semana e a forma como trouxeram o assunto.

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  2. Parabéns meninas! O texto ficou super didático, amamos a divisão. Os links também ficaram muito bons, complementaram bem. Ansiosas pelos próximos posts!

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  3. Vocês estão cada vez melhores. Parabéns. Adoramos o post super didático e de fácil entendimento.

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  4. Explicitação de grande importância, parabéns!

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